Somos realmente modernos?

Cesar Augusto Cavazzola Junior

O que deveria estar facilitando as nossas vidas pode estar, no fundo, nos distraindo

Em estudo divulgado pela revista Science, cujo título original do trabalho é “Just think: The challenges of the disengaged mind”,[1] foram realizados testes nos quais os pesquisados tinham duas opções: ou ficar sem fazer nada, sentados e sozinhos, entre 6 e 15 minutos, ou receber choques elétricos para se distrair. Os pesquisadores chegaram ao resultado de que a maioria dos pesquisados preferiram levar choques a ficar sem fazer nada, ou seja, preferiram fazer algo desagradável a fim de evitar o tédio:

Dois terços dos homens e um quarto das mulheres julgaram o exercício tão insuportável que preferiram aplicar leves choques elétricos em si mesmos para se distrair. Em um caso, um homem apertou o botão que liberava o choque 190 vezes.

Os estudos foram ampliados para outros grupos – não apenas de universitários. Os voluntários, todos com idades entre 18 e 77 anos, relataram também sentir tédio e preferiram se dar choques.

Com isso, os pesquisadores concluíram que, independentemente da idade, nível econômico, escolaridade e frequência de uso do celular e de mídias sociais, as pessoas não gostam de ficar sozinhas com seus pensamentos.

Trata-se, assim, de um dos efeitos negativos da dependência constante da tecnologia. De fato, a humanidade extinguiu a possibilidade de escravizar seres humanos, que, em outras épocas, eram vendidos como coisas. Hoje, é possível de se verificar que a escravidão apenas mudou de modelo, embora apresente um efeito em escala muito maior do que havia antes.

Em matéria recente, foi abordado o problema da “nomofobia”, relacionado às pessoas que não conseguem mais enxergar suas vidas sem estar acompanhada de um aparelho celular. A reportagem sobre o assunto assim diz:

O fenômeno da nomofobia foi apontado em pesquisa realizada em 2012 na França. O estudo mostrou que 34% dos jovens de 15 a 19 anos por lá achavam “impossível” ficar mais de um dia sem celular. Quando os números se referem ao Brasil, a situação não parece ser muito diferente. Atualmente, há mais de 276 milhões de aparelhos celulares com linhas ativas no país, o que ultrapassa em mais de 70 milhões o número de brasileiros.[2]

E ainda:

E as consequências podem ser sentidas no organismo. Nabuco destaca uma pesquisa realizada na Coreia do Sul, que comparou os efeitos no cérebro de usuários pesados de internet com o de dependentes de álcool e outras drogas. Em todos os casos analisados houve desgaste significativo na bainha de mielina (uma substância branca que envolve o neurônio e aumenta a velocidade de condução do impulso nervoso). Esta já era uma consequência neuroquímica conhecida do consumo abusivo de drogas, mas ainda não havia sido relatada em dependentes digitais.[3]

Uma vida conectada, autoexposta e sem privacidade são alguns dos distúrbios da atual sociedade. No mundo virtual, o indivíduo constrói uma página e um perfil a partir de uma visão que ele tem de si mesmo. Trata-se de um mundo que permite a construção de relações, como também deletá-las, com a mesma facilidade. E é um mundo capaz de se reinventar – o que vai depender do estado de espírito daquele que se expõe, de como ele vai querem “ser” naquele exato dia.

Estamos distraídos?


[1] ESTUDO mostra o quanto é difícil ficar sem fazer nada. Veja, 04 jul. 2014. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/estudo-mostra-o-quanto-e-dificil-ficar-sem-fazer-nada>. Acesso em: 12 jul. 2014. O estudo foi realizado pelos seguintes pesquisadores: Timothy D. Wilson, David A. Reinhard, Erin C. Westgate, Daniel T. Gilbert, Nicole Ellerbeck, Cheryl Hahn, Casey L. Brown, Adi Shaked, vinculados à Universidade de Harvard e à Universidade de Virgínia, ambas nos Estados Unidos.

[2] SORDI, Jaqueline. Conheça a nomofobia, o medo de ficar longe do celular. Zero Hora, Porto Alegre, 11 set. 2014. Disponível em: <http://zh.clicrbs.com.br/rs/vida-e-estilo/noticia/2014/09/conheca-a-nomofobia-o-medo-de-ficar-longe-do-celular-4595150.html>. Acesso em: 03. Abr. 2017.

[3] SORDI, Jaqueline. Conheça a nomofobia, o medo de ficar longe do celular. Zero Hora, Porto Alegre, 11 set. 2014. Disponível em: <http://zh.clicrbs.com.br/rs/vida-e-estilo/noticia/2014/09/conheca-a-nomofobia-o-medo-de-ficar-longe-do-celular-4595150.html>. Acesso em: 03.abr.2017.

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