Hino Nacional: análise pontos para fins de letramento

O Hino Nacional Brasileiro, símbolo de exaltação à pátria, é uma canção bastante complexa. Além de possuir palavras pouco usuais, sua letra é rica em metáforas. O texto segue o estilo parnasiano, o que justifica a presença de linguagem rebuscada e de inversões sintáticas, que dificultam a compreensão da mensagem. Assim, a priorização da beleza da forma na elaboração do hino fez com que a clareza ficasse comprometida.

Trata-se de um texto parnasiano, que privilegia a forma mesmo com sacrifício da clareza da mensagem, gerando dificuldades de compreensão. Para isso, colaboram o preciosismo vocabular e as frequentes inversões da ordem do discurso, tão ao gosto dos acadêmicos do final do século XIX, mas distantes do universo das gerações atuais.[1]

1. Ouviram do Ipiranga às margens plácidas

De um povo heroico o brado retumbante

As margens plácidas do (rio) Ipiranga ouviram o brado retumbante de um povo heróico.

Plácido quer dizer calmo. Dom Pedro I vinha de Santos, ao longo do rio Ipiranga, quando tomou a corajosa decisão de declarar a independência do Brasil.

Brado é grito. Retumbante é estrondoso, barulhento, para fazer um contraste com a placidez das margens.

Poderíamos parafrasear (escrever de outra forma) este verso assim: As margens calmas do rio Ipiranga ouviram o grito estrondoso de um herói (Dom Pedro I), que representava todo o povo brasileiro.

O riacho Ipiranga nasce junto ao Zoológico de S. Paulo. Era de costume na época inverterem-se as frases à moda latina.

2. E o sol da liberdade em raios fúlgidos

Brilhou no céu da Pátria nesse instante.

Fúlgido significa brilhante.

Mas não dava prá dizer: “raios brilhantes brilhavam” porque iria parecer repetitivo e pobre. O grito de “Independência ou Morte” transformava uma nação colonial, dependente de Portugal, em um novo país autônomo e livre. Duque Estrada compara a liberdade a um sol brilhante que ilumina o céu (Pátria), antes obscurecida pelo colonialismo.

3. Se o penhor dessa igualdade

Conseguimos conquistar com braço forte,

Em teu seio, ó liberdade,

Desafia o nosso peito a própria morte!

Penhor equivale a garantia, segurança. É comum a gente penhorar algo de valor (em troca de dinheiro) e receber um papel que garanta a recuperação daquilo que foi penhorado. O Brasil passou a ser independente e, portanto, conquistou o penhor da igualdade, ou seja, daquele momento em diante, Portugal e Brasil eram nações iguais, sem que uma fosse superior à outra. E a frase continua, dizendo: o nosso peito desafia a própria morte.

Simplificando: agora que o povo brasileiro conquistou seu passe para a liberdade, através de sua força e coragem, inspirado nesta nova liberdade não hesitará em enfrentar a própria morte (isto é, se tiver de lutar e morrer, o povo não sentirá medo). A frase pode ser reescrita assim: através de nossa coragem conquistamos uma igualdade de condição com quem antes era nosso colonizador e, para manter esta situação de liberdade, estamos prontos a sacrificar a própria vida.

4. Ó Pátria Amada,

Idolatrada

Salve! salve!

Idolatrar é transformar algo ou alguém em ídolo, como se costuma fazer com artistas de modo geral. Salve equivale a uma saudação. Originalmente se dizia; “Deus te salve!”

5. Brasil, um sonho intenso, um raio vívido

De amor e de esperança à terra desce,

Se em teu formoso céu risonho e límpido

A imagem do Cruzeiro resplandece!

Vívido é intenso, ardente, vivo. Formoso é belo. Límpido significa transparente, claro. Resplandecer equivale a brilhar ou luzir intensamente. Aqui o poeta compara o Brasil a um sonho intenso, porque ainda tem muito a realizar. Sabe-se que o Cruzeiro do Sul é uma constelação que aparece no céu do Brasil. Ela tem a forma de cruz, que nos lembra Jesus Cristo e as práticas cristãs. Portanto, vamos refazer os versos para entender o sentido: O Brasil é como um sonho intenso e, já que em nosso céu límpido a cruz de Cristo resplandece, desta cruz desce um raio brilhante que ilumina o Brasil. Ou seja, o Brasil está sob o amparo e a proteção de Cristo.

6. Gigante pela própria natureza

És belo, és forte impávido colosso,

E o teu futuro espelha essa grandeza.

Se você olhar o mapa mundial, vai notar que o Brasil é o quinto maior país do mundo (depois de Rússia, Canadá, Estados Unidos e China). Com mais de 8.500.000 de Km2, o Brasil é naturalmente gigantesco.

Note que às vezes os poetas têm o costume de falar diretamente com as coisas, como se elas fossem pessoas: “és belo, és forte…”

Impávido significa sem medo: destemido, corajoso. Colosso é uma pessoa ou objeto de tamanho muito grande.

Vamos reescrever a frase: Tu (Brasil), és belo, forte e, graças ao tamanho imenso que a natureza te deu, não tens medo de nada. Além disso, a tua grandeza de hoje vai se revelar no futuro.

7. Terra adorada, entre outras mil,

És tu Brasil, ó pátria amada!

Dos filhos deste solo és mãe gentil,

Pátria amada, Brasil!

Este trecho é mais fácil de se entender, embora também utilize algumas inversões:

Brasil, tu és nossa terra adorada e te escolhemos entre outras mil terras; tu és nossa pátria amada, mãe gentil (carinhosa) dos filhos deste solo (de nós, brasileiros).

8. Deitado eternamente em berço esplêndido

Ao som do mar e à luz do céu profundo,

Fulguras, ó Brasil, florão da América,

Iluminado ao sol do Novo Mundo!

Esplêndido é maravilhoso, deslumbrante. Fulgurar é brilhar, resplandecer. Também pode significar distinguir-se ou sobressair (entre outros). Florão é uma decoração bonita e grande em forma de flor.

A idéia que Duque Estrada quer transmitir é a de que a localização geográfica do Brasil é mesmo muito privilegiada: as montanhas, as matas, os rios, toda a natureza formam a imagem de um berço (porque, além do mais, o Brasil, uma nação que se tornara recentemente independente, era como um imenso país recém-nascido).

“Ao som do mar”, porque temos um litoral vasto com belíssimas praias; “e à luz do céu profundo”, isto é, ensolarado, típico dos trópicos.

O “sol do Novo Mundo” coloca o Brasil mais uma vez como uma nação jovem e promissora. O velho mundo (Europa) conquistou e colonizou o novo mundo (América).

Vamos reescrever: Brasil, tu possuis uma localização espetacular, com uma natureza rica, muito mar e sol. Por isso, entre outras nações da América (Novo Mundo), tu te destacas como um florão.

9. Do que a terra mais garrida

Teus risonhos lindos campos têm mais flores,

“Nossos bosques têm mais vida”,

“Nossa vida” no teu seio, “mais amores”.

Garrida é colorida, alegre, vistosa.

Teus risonhos lindos campos têm mais flores do que a terra mais garrida (vistosa). Ou seja, nossa natureza é mais colorida e bela que a de outras terras.

Nossos bosques têm mais vida (mais beleza e vitalidade).

Nossa vida, em teu seio (dentro de ti, Brasil), mais amores.

Equivale a dizer que nós, brasileiros, por vivermos no Brasil, somos mais capazes de amar.

As aspas são usadas por Duque Estradas no original, pois representam citações dos versos de Gonçalves Dias em “Canção do Exílio”:

Minha terra tem palmeiras,

Onde canta o sabiá…

…Nosso céu tem mais estrelas,

Nossas várzeas têm mais flores,

Nossos bosques têm mais vida,

Nossa vida mais amores.

10. “Ó Pátria amada,

Idolatrada

Salve! Salve!

Idolatrar é transformar algo ou alguém em ídolo, como se costuma fazer com artistas de modo geral.

Salve equivale a uma saudação. Originalmente se dizia: “Deus te salve!”

11. Brasil, de amor eterno seja símbolo

O lábaro que ostentas estrelado

Ostentar é mostrar com orgulho.

Um lábaro era um estandarte muito usado pelos romanos e aqui está representado por nossa bandeira, repleta de estrelas. O poeta compara a bandeira a um estandarte e deseja que ele represente o amor eterno.

O verso está invertido. Deve-se ler: Brasil, o lábaro que ostentas estrelado seja símbolo de amor eterno.

O poeta está tentando dizer: tomara que as estrelas da tua bandeira sejam símbolo de amor eterno.

12. E diga ao verde-louro desta flâmula

Paz no futuro e glória no passado.

Flâmula aqui, é sinônimo de bandeira. O louro é uma planta. Com seus galhos e folhas os imperadores romanos eram coroados. Portanto, simboliza poder e glória. Mais uma vez, vamos olhar para a bandeira. Duque Estrada torce para que o louro da bandeira simbolize um poder que venceu batalhas gloriosas no passado, quando isso foi necessário para se conseguir a independência, mas só deseja paz daquele momento em diante, pois o verde, além da esperança, também simboliza a paz.

13. Mas se ergues da justiça a clava forte

Verás que o filho teu não foge à luta,

Nem teme quem te adora a própria morte.

Clava é um pedaço de pau pesado (mais grosso numa ponta que na outra), que era usado como arma.

Vimos que, no verso anterior, o poeta sonha com a paz no futuro.

De repente, entretanto, este novo verso diz: mas se ergues (levantas) a clava forte da justiça, ou seja, se o país tiver de lutar contra a injustiça, verás que um brasileiro (filho teu) não foge à luta (enfrenta a guerra).

E quem te adora não teme nem a própria morte, quer dizer, os brasileiros adoram tanto o seu país que seriam capazes de sacrificar suas próprias vidas para defendê-lo.

14. Terra adorada, entre outras mil,

És tu, Brasil, ó pátria amada!

Dos filhos deste solo és mãe gentil,

Pátria Amada, Brasil!

Este trecho é mais fácil de se entender, embora também utilize algumas inversões: Brasil, tu és nossa terra adorada e te escolhemos entre outras mil terras; tu és nossa pátria amada, mãe gentil (carinhosa) dos filhos deste solo (de nós, brasileiros).

Fonte: Wayne Tobelem dos Santos

Plágio do Hino Nacional?

http://www.movimento.com/2011/09/as-fontes-do-hino-nacional-brasileiro/

http://discover747.blogspot.com.br/2012/06/hino-do-brasil-e-plagio.html

http://saltodadepressao.blogspot.com.br/2011/04/o-hino-nacional-e-plagio.html

*

No seu livro de 2009 Crônicas do Inesperado, o diplomata aposentado Renato Prado Guimarães dedica uma das ótimas crônicas à origem do hino nacional brasileiro, o nosso querido Ouvirando. O autor da música do hino, Francisco Manuel da Silva, teria se inspirado numa melodia do seu professor, o padre José Nunes Garcia, incluída no seu Método de Pianoforte. Nunes Garcia usava temas de compositores como Haydn, Mozart e Rossini nas suas lições e a melodia que inspirara Francisco Manuel da Silva fora por sua vez inspirada na abertura da ópera O Barbeiro de Sevilha, de Rossini. Guimarães conta que certa vez, num sarau musical em Frankfurt, onde estava servindo, prometeu um CD da Orquestra Sinfônica de São Paulo a quem identificasse uma semelhança entre o hino brasileiro e alguma peça do repertório operístico. Dois convidados levantaram a mão instantânea e simultaneamente e gritaram O Barbeiro de Sevilha!. Eram os cônsules-gerais da Itália e da Espanha. Aparentemente, só nós não tínhamos nos dado conta.[2]


[1] http://www.soportugues.com.br/secoes/curiosidades/hino.php

[2] VERÍSSIMO, Luís Fernando. O Estado de S. Paulo. Plágio ou o quê? Publicado em: 03 jul. 2011. Disponível em: <http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,plagio-ou-o-que-imp-,739959>. Acesso em: 30 jun. 2017.

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