Cesar Augusto Cavazzola Junior
Eu gosto do sistema capitalista. O capitalismo permite que nosso trabalho se especialize. A long, long time ago, quando alguém produzia um determinado produto, era responsável por todas as etapas da produção: compra da mercadoria (isso se você mesmo não a produzisse), produção (todas as etapas), venda e tudo mais.
Uma coisa interessante é que, naquele tempo, uma pessoa já nascia sabendo o que você faria na sua vida. Se o seu pai fosse um camponês, daria continuidade ao trabalho dele no campo; se sapateiro, sapateiro seria; se proprietário de terra, bem, alguns sujeitos nascem com sorte.
Engraçado é que planejamos a vida em tempos cada vez mais curtos. Anos atrás, quando ainda perambulava em Porto Alegre, encontrei uma conhecida enquanto almoçava e ela me disse que estava abandonando os estudos. Ela tinha 32 anos, cursava Ciências Sociais e não tinha emprego. Eu questionei por que ela não queria mais cursar aquela faculdade. Ela disse simples e com firmeza no olhar:
– É porque eu não estava feliz!
Para nossa geração, não estar feliz é um ótimo motivo para abandonar um caminho que estava sendo construído para começar outro. Calculem!
Nossa geração precisa estar feliz para se sentir realizado.
Eu comecei a lecionar anos atrás porque eu via as pessoas tropeçando nos próprios livros e sentia que poderia fazer algo por elas. O problema é que eu descobri que no meio acadêmico há uma série de professores fajutos – e muitos deles foram responsáveis pela minha educação. Não seria eu também um desses? Eu acredito que não seria difícil de encontrar alguns dos meus alunos que dissessem que sim.
De qualquer forma, descobri que, para solidificar o conhecimento, nós retemos cerca de 5% daquilo que lemos; 10% do que ouvimos; 20% se há algumas imagens; e assim por diante, até chegar aos 95%, é que quando você agrega o conhecimento para si quando ensina. Poxa, que sacada: a melhor forma de aprender é ensinar alguma coisa para alguém (mas isso São Tomás sabia quando o homem nem sonhava com a existência das Américas).
Desde o início da minha vida acadêmica fui contra o uso de qualquer forma de recurso audiovisual para ensinar os meus alunos (digo os eletrônicos). O máximo que fazia era organizar o que iria falar em tópicos, a fim de que, se eu tivesse um branco (o que acontece frequentemente comigo), não prejudicasse o andamento da aula.
Vocação vem do latim vocare, que significa “chamado”. É aquilo que a sua vida lhe conduz a fazer, não importa quantas dificuldades você enfrente ao longo da sua jornada. Vezes você vai passar necessidades, outras estabilidade. Mas nunca será um clico contínuo.
E eu fico sempre feliz dando aulas? É claro que não, sobretudo por conta dos desinteressados. O pior de tudo é quando começo a falar algo e me aparece um sujeito 30 minutos atrasado. Eu penso: “Poxa, esse cara não vai entender nada do que eu estou falando”.
Você pode preparar uma aula maravilhosa e, aplicada em turmas diferentes, o efeito é completamente diferente. Posso terminar uma aula com as pessoas me agradecendo por ter agregado valor em suas vidas e outras felizes por ter terminado aquele “lengalenga sem o menor sentido para a vida delas”.
Isso mostra que estar diante da nossa vocação não é sinônimo de felicidade. É algo que você levanta de manhã para fazer e pronto. Eu não preciso estar feliz. Eu apenas tenho que fazer.
Quando surgiu o que conhecemos como a Revolução Industrial, foi, em síntese, quando foi retirado do artesão o controle de toda a cadeia produtiva. Se você fazia bem um determinado produto, você só faria isso. Faria a compra outra pessoa, assim como a limpeza, a matéria-prima e o controle do estoque. Ou seja, cada um iria colocar as mãos sobre aquilo que fazia melhor.
Com Taylor e Ford aprendemos que é possível dividir a linha de produção em muitas pequenas partes, para que se faça uma única e simples tarefa de toda a cadeia produtiva, dividida em tantas pequenas partes e de forma tão contínua que nem precisaria pensar no que estava fazendo. Isso permitiu a eficiência na produção, além do mais importante: dividir um produto em tantas pequenas tarefas que a pessoa responsável pela pequena tarefa nem precisasse ter qualquer conhecimento especializado para conseguir realizar o seu trabalho.
Só que quando você sai de casa para trabalhar, você precisa de alguém que faça as coisas por você dentro de casa. No início, a sua esposa era responsável por cuidar da casa. Mas ela começou a trabalhar e vocês tiveram que contratar uma empregada. Aí vocês tiveram um filho, e tiveram que contratar também uma babá.
Assim, na medida em que o capitalismo foi crescendo, novas demandas por produtos e serviços foram sendo criados.
Em 2014, em pleno domingo a tarde precisando terminar um artigo para o mestrado, além de estar preparando as aulas da semana, me deparei com a seguinte matéria: “Quanto você pagaria por um abraço de conchinha com George Clooney ou Scarlett Johansson?[1]”.
A reportagem aborda a história de Samantha Hess, uma ex-personal trainer de 30 anos que, “depois de sofrer com o fim de um namoro e assistir a um vídeo de um comediante vendendo abraços em uma praça, ela decidiu transformar calor humano em dinheiro”.
Samantha especializou o seu serviço, decidindo dormir de “conchinha” por 60 dólares a hora. Acredita que a falta de calor humano é um problema na sociedade, então por que não ofertar esse tipo de serviço? Ela tem livro e site.
Os potenciais clientes também passam por uma entrevista prévia, por e-mail, e por uma pequena investigação, pela qual Samantha tenta afastar criminosos, por exemplo. Em seguida, ela marca uma conversa pessoalmente em algum lugar público. Se ambos se sentirem confortáveis, é marcado horário e local do grande dia. O abraço de conchinha pode acontecer na casa do cliente ou em um parque, por exemplo. Por ora, Samantha atende a clientela de Portland, cidade de Oregon, mas é possível fechar acordos especiais em outros Estados americanos.
Ela faturava cerca de 7 mil dólares por mês. Naquela data (31/08/2014), um dólar estava aproximadamente R$ 2,24. Ou seja, ela faturava com este trabalho cerca de R$ 15.680. No Brasil, isso é a base salarial de um diplomata, de um delegado. É o que ganha um médico. É o que ganha um ótimo engenheiro e um ótimo advogado (ah, um professor não consegue ganhar isso não!).
Talvez Samantha não tivesse clientes entre brasileiros, pródigos na distribuição de beijos e abraços. Entre os americanos, contudo, os abraços são garantia de o que cliente é amado e aceito, aposta a “abraçadora”. É comum, por exemplo, que deficientes físicos ou pessoas muito tímidas procurem seus serviços. “Eu gosto de chamar o meu serviço de massagem para a mente. Meu objetivo é fazer com que meus clientes se sintam parte da minha família e renovados após uma sessão”, diz. Em tese, a terapia de Samantha não é reconhecida pela comunidade médica.
E a repórter facilitou o meu trabalho porque ela fez uma síntese de outras três coisas atualmente comercializada:
Outro americano, Steve Maher, de Los Angeles, oferece serviço similar: com ele, o abraço é premium. Ele é dono do site The Ecstatic Embrace, que cobra 120 dólares por uma sessão de 90 minutos. Do outro lado do planeta, no Japão, existem os chamados kyabakuras, estabelecimentos em que os clientes tomam drinks enquanto são mimados por garotas bonitas — relações sexuais são proibidas. Algumas histórias já chegaram ao cinema, com sexo. Em As Sessões, do diretor Ben Lewin, a personagem Cheryl Cohen Greene é uma “sexual surrogate”, alguém que faz sexo com seus pacientes sem envolvimento romântico. O filme é inspirado em uma história real.
Eu acho maravilhoso a forma como o capitalismo se desenvolveu e especializou o trabalho humano. O que acabo de apresentar é um típico exemplo disso.
O que me deixa muito chateado é ver o quanto as pessoas se sentem vazia e solitária a ponto de precisarem para receber carinho e atenção. Veja, isso não faz uma prostituta: ela cede seu corpo por um mero e exclusivo prazer sexual. O cliente não quer amor: quer gozar!
Agora, pagar por atenção? Calculem!
[1] HONORATO, Renata. Quanto você pagaria por um abraço de conchinha com George Clooney ou Scarlett Johansson? Publicado em 31/08/2014. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/noticia/vida-digital/quanto-voce-pagaria-por-um-abraco-de-conchinha-com-george-clooney-ou-scarlett-johansson>. Consulta em 31/08/2014.