As redes empresariais de negócios e o seu poder competitivo: racionalidade lógica ou estratégica?

Artigo: AS REDES EMPRESARIAIS DE NEGÓCIOS E O SEU PODER COMPETITIVO: RACIONALIDADE LÓGICA OU ESTRATÉGICA?*

Autores: Ivan de Souza Dutra, Sérgio Baptista Zaccarelli, Sílvio Aparecido dos Santos

Publicação: Revista de Negócios, ISSN 1980-4431, Blumenau, v13, n. 1, p.11 – 27, Janeiro/março 2008.

Autor do resumo: Cesar Augusto Cavazzola Junior[1]

*Trabalho apresentado no Grupo de Estudos em Redes Contratuais da Escola Superior da Advocacia do Rio Grande do Sul, em 2022.

O objetivo deste trabalho foi analisar como as empresas se organizam sob a forma de uma rede empresarial de negócios, denominada Rede de Negócios, formada em cooperação para competir com outro grupo de empresas que atua no mesmo setor ou segmento empresarial. A partir de uma discussão do conceito de Rede de Negócios, o estudo faz uma análise teórica e empírica de um caso de rede formada pelo consórcio modular da Volkswagen Caminhões e Ônibus – operações da América do Sul, em Resende/RJ.

A necessidade de enfrentar a competição em mercados globais provocou nas últimas duas décadas mudanças aceleradas nos modelos de gestão e de operação das empresas. Historicamente, viu-se a competição sob o ângulo de uma empresa concorrendo com as empresas que eram consideradas as suas concorrentes. Agora, em alguns setores, as empresas passaram a se organizar grupalmente formando Redes Empresariais, comumente chamadas de Redes de Negócios, para competir com as redes formadas pelos seus concorrentes.

Existe uma premissa básica na formação das Redes de Negócios: a constatação de que, em alguns setores e ou segmentos de negócios, a vantagem competitiva da atuação em grupo organizado sob a forma de rede pode ser mais facilmente conquistada do que pela atuação isolada e não articulada de uma ou várias empresas. Nesse aspecto, a busca de sinergia entre a força e as competências de cada empresa permitiu o crescimento da formação das parcerias e alianças estratégicas mesmo entre concorrentes. As novas tecnologias de informação, com o uso intensivo de sistemas integrados, as facilidades de comunicação entre pessoas e empresas, além da abertura dos mercados no mundo, são fatores que facilitaram e estimularam o surgimento da atuação das empresas em rede.

Para os autores, o ponto central a justificar a existência de uma Rede de Negócios parece estar quando se verifica que um negócio desiste de concorrer de forma isolada para se juntar a outros, com objetivo de ganhar vantagem competitiva.

Os anos 1960 uma firma de sucesso possuía uma organização hierárquica, racional e burocrática, quando o mercado exigia preço e a firma dirigia esforços para incrementar a sua eficiência (“Firma Eficiente”). Nos anos 1970, com a quebra de barreiras comerciais ao redor do mundo, decorreu um efeito de crescimento no mercado global, com intensificação da competição sobre preço, momento em que as empresas líderes passaram a se diferenciarem pela qualidade (“Firma Qualidade”). Na passagem para os anos 1980, setores industriais sofreram saturação em suas capacidades e com lucros em queda; consequentemente, as firmas procuraram alternativas e as novas tecnologias introduziram novas oportunidades de renovação ou melhoria dos processos e produtos, ampliaram-se as linhas de produtos com desenhos atualizados, adicionados ao preço e à qualidade em termos mundiais; as corporações tornaram-se flexíveis, com a equalização do fluxo da produção versus a demanda (“Firma Flexível”, organização hierárquica, mas externamente “horizontalizada”). Com a equivalência das firmas para cortarem custos, incrementarem os níveis de qualidade e proverem flexibilidade ao mesmo tempo, novamente os competidores mudaram nos anos 1990, quando os líderes industriais introduziram mais inovação em seus produtos, com a finalidade de se distinguirem no mercado (“Firma Inovadora”, marcada pelo desempenho interno e exclusividade de produtos, por meio da “inovatividade”). Já nos anos de 1990, uma minoria de pesquisadores interessada em estratégia competitiva havia descoberto o poder competitivo dos agrupamentos e das redes de negócios, ponto em que os interesses em comum orientavam a estratégia para uma cooperação entre as empresas, com a descoberta do poder competitivo de agrupamentos de negócios, quando os negócios de algumas cidades se concentravam geograficamente para produzir um determinado produto, trazendo vantagem competitiva no mercado mundial. Os últimos 20 anos, o campo do conhecimento tem recebido um forte incremento de pesquisas sobre Redes de Negócios, despertado por variados interesses.

  • Compilação dos Principais Aspectos sobre O Que é Redes de Negócios e Quais as Suas Características. Formas complexas de organizações, constituídas por: (a) Elos que proporcionam inter-relações; trocas entre o ambiente interno da rede e o externo (inputs/outputs), com certa liberalidade; (b) Elos (nós) formados por atores ou negócios que detém poder ou prevalência e dão sustentação à rede; (c) Objetivos ou interesses em comum; (d) Regras em comum (formais ou informais); (e) Orientação interna que busca a eficiência/eficácia (ou uma homeostasia ou adaptabilidade); (f) Atores ou negócios com certo grau individual de independência, ou não dependência em relação à rede; (g) Atores ou negócios pressionados por um ambiente econômico e/ou social em comum; (h) Estrutura coletiva de autocontrole e recuperação de resultados; (i) Cultura e aprendizagem própria e co-evolução.

  • Componentes. (a) Estruturação e Conjunto – a capacidade coletiva de organização em um sistema de comunicação e atividades para objetivos em comum; capacidade de aglomeração em dimensões geográficas, de atividades, etc.; (b) Conectividade – a capacidade estrutural de facilitar a comunicação com o menor nível de ruídos entre seus participantes; (c) Coerência e Reciprocidade – confiança e cooperação sobre interesses compartilhados entre os objetivos da rede e atores; (d) Poder – um exercício assimétrico econômico ou político de influência ou controle de um negócio sobre o outro; (e) Necessidade – na dependência ou escassez de recursos ou na velocidade de adaptabilidade das organizações; (f) Economia – infraestrutura para a sua sobrevivência ou autossustentabilidade, a gerar desempenho em vantagens econômicas, ou para o processamento e a transmissão da informação que se tornam fontes fundamentais de produtividade e resultados; (g) Flexibilidade – na propriedade de independência de cada negócio ou na capacidade de adaptação ou reorganização em novas estruturas, ambientes, valores e crenças; (h) Aprendizagem ou Co-evolução – a capacidade de aprender e crescer conhecimento, evoluir no coletivo ou co-evoluir. Campo de ação dos negócios que pode induzir as várias formações e formas de rede, conforme contingência.

  • Em síntese, a orientação conceitual para a definição de uma rede de negócios pode partir da eliminação dos excessos e convergência para oito características mais evidentes que foram propostas aqui: 1) compartilhamento de recursos; 2) práticas informais ou regras; 3) competências sinérgicas ou complementares; 4) reciprocidade; 5) aprendizagem ou co-evolução; 6) poder de troca; 7) posição ou espaço ocupado na rede; 8) alinhamento da proposta de valor.

  • Torna-se difícil a visualização física de uma Rede de Negócios. A dificuldade não está na complexidade dos dados e informações, ou da própria rede, mas na forma de pensar como elas existem. Propõe-se que, para entender como a estratégia ocorre nestas redes é preciso deixar de racionalizar de forma lógica e passar a racionalizar de forma estratégica.

  • Então, as Redes de Negócios podem ser definidas como ‘sistemas’, cujas partes mais importantes são as empresas que possuem negócios e se dedicam a um determinado tipo de produto, passando a ter no seu conjunto, um poder de competir muito maior do que as empresas consideradas isoladamente. A essência das redes de negócios foi evidenciada: cada organização separada se especializa no que faz melhor, explorando as vantagens de ser menor, aproveitando as vantagens de estar integrada e maior, criando maior poder de competitividade.

  • Foi analisada a vantagem competitiva alcançada pelo consórcio modular da Volkswagen Veículos Comerciais (VWC), no mercado brasileiro de ônibus e caminhões frente aos seus concorrentes. O principal objetivo foi entender como se define estratégia diante da prática de uma Rede de Negócios em concorrência com outros negócios ou empresas.

  • No período entre 1960 e 1990, as corporações passaram por diversas fases evolutivas, na busca da competitividade e conquista do mercado mundial. A partir de meados da década de 1980, este ambiente mutante e de alta concorrência forçou o setor automobilístico a repensar os seus modelos de gestão, aumentou a exigência das qualificações das empresas envolvidas e forçou um incremento do segmento de autopeças. Constatou-se o processo de “outsourcing” não somente com a entrega de peças e componentes, mas de subsistemas montados (módulos), com participação direta no processo de montagem do produto final dentro das instalações das montadoras. Isto deu origem aos condomínios industriais. A evolução do condomínio industrial para o modelo de consórcio modular pôde ser observada na VWC. Neste modelo, os principais fornecedores para a montagem de caminhões e chassis de ônibus estão dentro da fábrica, o que permite encomendas sob medida pelos frotistas e transportadores autônomos. Na forma de relacionamento entre a WVC e os fornecedores, a linha de montagem é segmentada em módulos sem a manufatura de peças. Cada módulo é operado por um fornecedor ou consórcio de fornecedores. Todas as operações, investimentos e garantia no módulo são realizados pelos fornecedores. Cabe à montadora a supervisão e teste dos veículos. O sistema foi concebido para a produção em ciclo menor e com custos mais baixos do que o tradicional modelo de montagem do setor.

  • Ao verificar que o consórcio é regido por um contrato entre os sete fornecedores, justifica-se a natureza da cooperação em um sistema lógico. Os membros do sistema foram considerados parceiros que foram escolhidos por critérios de capacitação financeira, tecnológica e de qualidade de serviços com a posição global no mercado. Asseguraram contratualmente a eles a exclusividade e longevidade.

  • Assim a Rede de Negócios da WVC (caminhões e ônibus) obteve os seguintes efeitos: a) a especialização do trabalho para a alta competitividade; b) a integração e cooperação entre empresas e negócios; c) a fidelização entre as empresas participantes. Também pode ser observada a ação de empresa com mais poder de negociação, que teve a capacidade de unir e coordenar os parceiros do primeiro nível da cadeia produtiva e que influencia toda rede. Algumas evidências podem ser destacadas como resultados desta ação: (a) A estabilização e equilíbrio do fluxo do sistema com a otimização dos canais de marketing; (b) O aumento no poder de negociação e a introdução de inovações em processos e produtos; (c) Os rendimentos cresceram com o ganho na escala de produção e com um portfólio de produtos mais flexível. O resultado mais importante foi a vantagem competitiva alcançada, com resultados para o maior desempenho no mercado de atuação.

  • Um executivo da VWC mundial expôs: […] “Resende é interessante porque reage a mercados voláteis. É uma operação lucrativa e extremamente flexível”. A empresa central desta Rede de Negócios tem maior poder de negociação. Então, faz-se necessário destacar que a Rede de Negócios da VWC está formada para competir com vantagem sobre as empresas concorrentes que não estejam organizadas sob a forma de uma rede de negócios.

  • Nas Redes de Negócios estratégicas o poder de competição decorre da existência de um pensamento estratégico que reúne e define uma estratégia de comportamento coletivo de sinergia, de complementação e agregação de valor. Diante de tais motivos, na própria origem da formação da rede, os executivos de empresas já necessitam aplicar o pensamento estratégico, para garantir que os integrantes da mesma terão em conjunto uma força maior em relação aos seus concorrentes, se comparado com uma atuação de forma isolada e desarticulada.

[1] Advogado (OAB/RS 83.859). Mestre em Direito (Unisinos). Membro da CSI (OAB/RS). Autor dos livros “Manual de Direito Desportivo” (EDIPRO, 2014), “Bacamarte” (Giostri, 2016), Francês Jurídico (Jano, 2022) e A Solidão Disciplinada (Thoth, 2023). É coautor de outras obras. Contato: [email protected].

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