A oração e seus elementos

Cesar Augusto Cavazzola Junior

Imagine-se sendo acordado no meio da noite pelo seu vizinho, aos berros:

– Fogo!

Ou mesmo seu professor interrompendo a conversa que você está tendo com seus colegas:

– Silêncio!

Ou, apena para citar outro exemplo, a sua mãe em tom desafiador:

– Vá para o seu quarto e não saia antes de eu manda-lo!

As frases acima exprimem sentido completo. É claro que o aluno precisa se imaginar numa situação específica, num contexto, para que a frase possa adquirir sentido completo.

Assim, para que uma frase tenha sentido completo, não se faz relevante o número de palavras. Como bem dizia Graciliano Ramos: “A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer.”

Entretanto, não é possível afirmar que qualquer frase com sentido completo é uma oração

A oração é todo enunciado que contenha verbo:

– Eu vou estudar hoje.

– Serei aprovado no vestibular.

– Minha mãe trabalha na farmácia.

– O pássaro voa no céu.

– Leciono no Teorema.

Agora, observe a frase a seguir:

“Na memória, muitas lembranças.”

Por não conter explicitamente um verbo, é possível dizer, portanto, que não se trata de uma oração?

Não nesse caso, pois há uma forma verbal oculta. Trata-se de um recurso possível na língua portuguesa.

Poderia dizer para um amigo:

– Corra!

O enunciado “corra!” é frase ou oração? Conforme estudado, pode ser classificado tanto como um quanto pelo outro. Mesmo assim, pode representar um período?

Antes de responder a pergunta, será preciso saber o que vem a ser um período…

Período é todo enunciado com sentido completo e com oração. Se disser: “fuja!”, será preciso imaginar a cena para que a palavra seja considerada uma frase. No período, isso não precisa acontecer:

– Minha mãe quer que eu tire uns dias de férias.

Nessa frase, é desnecessário que se componha de elementos imaginários para que adquira sentido total.

Retomamos, então, a análise para o estudo da oração

Verbo é toda palavra que expressa uma ação: desenhar, estudar, pintar, morrer, dormir, sentar, etc.

Numa oração podem ser encontrados seis elementos[1]:

1º) o sujeito;

2º) o vocativo;

3º) o adjunto adnominal restritivo;

4º) o objeto indireto;

5º) o adjunto adverbial;

6º) o objeto indireto.

Cada qual exerce uma função na oração. No latim, chama-se “caso”, que se distinguem pela terminação que é empregada.

  1. O sujeito

O sujeito é a pessoa ou a coisa que praticou a ação verbal.

Na oração “Eu saí de casa”, quem é o sujeito da oração?

É aquele que praticou a ação de “sair”. Neste caso, “eu”:

Frase: Eu saí de casa.

Pergunta: Quem saiu de casa?

Resposta: Eu.

Veja outro exemplo a seguir:

Frase: Carlos leciona matemática.

Pergunta: Quem leciona matemática?

Resposta: Carlos.

Exercícios:

a) Responda as perguntas abaixo:

O que é frase?

O que é período?

O que é oração?

Para ser considerada uma oração, a frase precisa ter verbo explícito? Cite três exemplos.

b) Aponte os sujeitos das frases a seguir:

  • Minha mãe é bonita.
  • Gosto de salada.
  • Vamos sair hoje.
  • A chave do conhecimento é a filosofia.
  • Essencial é o estudo da língua portuguesa.
  • Têm muitos amigos.
  • Fugi.
  • Morreram.
  • O churrasqueiro é meu pai.
  • Aquela é a minha namorada.
  • Sofia estuda com Maria.
  • Sofia e Maria estudam com Lúcia.

2) Vocativo

            Acompanhe os exemplos a seguir:

Maria, você vai subir?

Você vai subir, Maria?

Você, Maria, vai subir?

Nessas frases, alguém está sendo chamado: Maria. Por isso, o vocativo vem do verbo latino “vocare”, que significa “chamado”.

O vocativo, conforme visto acima, poderá vir no início, no meio ou no final da oração, sempre acompanhado de vírgulas.

Observe a frase a seguir:

– Seu primo Maurício é de Passo Fundo?

Responda: qual é o vocativo dessa frase?

Na verdade, não há. A existência de vírgulas é o que determina a existência do vocativo:

– Seu primo, Maurício, é de Passo Fundo?

Na oração acima, observa-se que “Maurício” vem acompanhado de vírgulas. É o vocativo, pois.

Exercícios

Reescreva as frases, alterando a ordem do vocativo:

  • Meu filho, venha comer.
  • Até tu, Brutus, meu filho.
  • Saia daqui, Paulo.
  • Senhor, tenha piedade de mim.
  • Não se aproxime, meu caro.
  • Por sua causa, João, ela se foi.

3. Genitivo

A casa dos meus pais é bonita.

A bicicleta de Pedro é azul.

O livro do João está desatualizado.

Na maioria dos casos, o genitivo indica posse, embora sempre venha acompanhado da preposição “de”. Trata-se de um complemento que restringe um nome.

Se dissermos “A casa é bonita”, podemos estar indicando qualquer casa. Portanto, o genitivo é o adjunto adnominal restritivo de uma oração.

4) Dativo

Observe as frases a seguir:

O lenhador corta a árvore.

O pássaro morreu.

A primeira frase exigiu complemento, diferentemente da segunda. Observe novamente:

O lenhador corta.

Instintivamente, é possível perceber que falta algum complemento na frase, como se não estivesse soando bem. É como quando um amigo entra em contato contigo e diz:

– Você não acredita no que aconteceu…

Paira uma dúvida no ar. É então que você pergunta:

– O que aconteceu?

É o mesmo com a frase “o lenhador corta”.

– Corta o quê?

Por isso, não é difícil de se notar que alguns verbos precisam de complemento, enquanto outros não:

– O pássaro morreu.

Está bem. Talvez você queira saber detalhes, o motivo, a data, o local. No entanto, isso apenas se faz necessário para criar o cenário completo, e não porque o verbo “morrer” exige complemento.

Os verbos, portanto, dividem-se em dois grupos: os verbos de predicação completa e os verbos de predicação incompleta.

São exemplos de verbos de predicação completa: voar, morrer, andar, dormir. São orações constituídas apenas de dois termos: sujeito e verbo. Chama-se verbos intransitivos, pois a ação começa e termina no agente, isto é, sem objeto.

PREDICAÇÃO COMPLETA = VERBO INTRANSITIVO

Analise o exemplo a seguir. Um amigo entra em contato contigo e diz:

– Minha mãe ganhou.

Intuitivamente, parece-lhe estar faltando algo? Certamente que sim. Por isso, o verbo “ganhar” é de predicação incompleta. É, portanto, transitivo, isto é, um verbo cuja ação começa no agente e termina no objeto:

– Minha mãe ganhou uma rosa.

Existem quatro espécies de verbos de predicação incompleta. Serão estudados a seguir.

  1. Verbos cuja ação passa diretamente para a pessoa ou coisa sobre a qual recai

– Eu bebi água.

“Beber” é um verbo que não exige preposição. É um verbo transitivo direto, cuja ação sobre a qual recai a pessoa ou a coisa chama-se objeto direto.

Transitivo indireto

É possível escrever “eu gosto a minha mãe”? É claro que não. O verbo “gostar” exige a preposição “de”.

– Eu gosto da (de+a) minha mãe.

Diz-se, portanto, que “gostar” é um verbo que se liga indiretamente ao complemento, isto é, por meio de preposição.

São chamados, assim, de verbos transitivos indiretos, cujo complemento denomina-se objeto indireto.

Resumindo:

TRANSITIVO DIRETO à OBJETO DIRETO (sem preposição)

TRANSITIVO INDIRETO à OBJETO INDIRETO (preposição)

Transitivo direto-indireto

Acompanhe as frases a seguir:

A: Cesar, eu levei.

B: Levou o quê?

A: Levei uma rosa.

B: Levou uma rosa para quem?

A: Para minha avó.

A partir do verbo “velar”, foi necessário se fazer outras perguntas até adquirir sentido completo. Foram, para isso, exigidos dois complementos: a) um para especificar a coisa dada e b) outra para determinar a quem a coisa foi dada. São verbos transitivos direto-indiretos.

Verbo de ligação

– Carlos é legal.

Ser “legal” é uma qualidade do Carlos, e não uma ação, unidos por um verbo de ligação, cujo complemento chama-se predicado (jamais “objeto”).

***

As formas oblíquas “o” e “lhe” da 3ª pessoa não podem ser utilizadas de qualquer forma:

– Eu o obedeço.

“Obedecer” é transitivo indireto, portanto deve ser escrito:

– Eu lhe obedeço.

Assim, o transitivo indireto pede a forma “lhe”, enquanto o transitivo direto, “o”.

– Eu o vi.

***

5. Ablativo

O ablativo é o adjunto adverbial, ou seja, é um complemento do verbo. Diferentemente do objeto direto, do objeto indireto e predicativo, que são complementos necessários, os adjuntos adverbiais são inseridos para a inteira compreensão do verbo:

– Vera morreu.

A frase é de sentido completo, pois “morrer” é verbo intransitivo. No entanto, faz-se necessário a inclusão da circunstância para especificar:

Vera morreu ontem. (tempo)

Vera morreu de câncer. (modo)

Vera morreu em Porto Alegre. (lugar)

6. Acusativo

O acusativo é o objeto direto, já estudado anteriormente.


[1] O estudo a seguir terá como base: ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Gramática Latina. 29. Ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2000.

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